Segunda série da parceria entre Netflix e Marvel, “Jessica Jones” estreia nesta sexta-feira (20) com a pressão de manter a qualidade de sua antecessora, “Demolidor”. Se depender dos sete primeiro episódios que assistimos, é possível dizer que não é apenas uma produção à altura, mas talvez o melhor produto original do site de vídeos sob demanda — e uma das melhores adaptações de quadrinhos dos últimos anos.
Ao contrário do que se poderia imaginar levando em consideração sua origem nas HQs, “Jessica Jones” não é uma série sobre super-heróis. A protagonista que dá nome à produção até tem um passado frustrado lutando contra o crime de collant colorido, mas logo no início desta primeira temporada já a encontramos enfrentando a dura vida de uma detetive particular na cidade de Nova York.
Entre maridos traídos e familiares desaparecidos, a personagem tem de encarar novamente o homem responsável pelos seus maiores traumas. Inspirada no arco final das HQs “Alias” (que nada tem a ver com a série protagonizada por Jennifer Garner nos anos 2000), a trama transforma uma boa ideia para a mídia original em algo genial para o formato Netflix.
Um de seus grandes trunfos recai sobre a atriz Krysten Ritter. Versada em papeis dramáticos, como sua participação em “Breaking Bad”, e em comédias como “Don’t trust the b—- in apartment 23”, ela constrói uma Jones com evidentes cicatrizes psicológicas que afasta todos ao seu redor, mas perspicaz o suficiente para não se tornar uma perdedora completa.
Ela é acompanhada de um dos melhores elencos de personagens femininos dos últimos anos. Todas as personagens femininas da série são fortes e complexas sem parecerem forçadas.
Elas não se lamentam por causa de homens ou são donzelas em busca de proteção. Até mesmo Hope (Erin Moriarty), aquela que mais poderia se entregar à carapuça de vítima, se recusa a viver o papel estabelecido e resolve seus próprios problemas.
Seria fácil reduzir a série ao título de “feminista”. Afinal, ela passa pelo teste de Bechdel — aquele que pergunta se as mulheres de uma obra são seres de verdade ou se apenas servem de satélite para os homens — como se fosse uma avaliação de pré-primário.
Mas “Jessica Jones” é muito mais do que isso. Sua narrativa com tons de noir envolve o público e passa a impressão de um longo filme dividido em 13 episódios — um problema dos mais agradáveis para quem tem muitos planos neste feriado prolongado.
Grande prova do valor do roteiro está na construção do vilão. Kilgrave, o Homem Púrpura dos quadrinhos, representa uma ameaça constante e verdadeira à heroína. Mesmo renegado a pouco mais que sussurros nos primeiros capítulos, sua presença é sentida em todos os cantos escuros da sombria vizinhança habitada pela detetive.
Os poderes do personagem (vivido pelo ex-“Doctor Who” David Tennant), que pode controlar mentes e obrigar qualquer um a fazer o que quiser, poderiam parecer ridículos contra um Thor ou um Homem de Ferro, mas são desesperadores na atmosfera criada pela série.
Jones pode parar carros em movimento ou voar — veículos em baixa velocidade ou “cair controladamente”, ok –, mas não tem experiência para lidar com um maníaco capaz de fazer com que pessoas parem de respirar apenas porque gostaria de comer em silêncio.
A série também tem a obrigação de preparar o futuro da parceria Marvel/Netflix e não esconde suas pretensões desde o começo. Luke Cage, super-herói interpretado por Mike Colter (“The good wife”) que é o próximo a ganhar uma produção para chamar de sua, tem participação importante e apresenta uma química invejável com a protagonista. Nem as garras de um Wolverine conseguiriam cortar a tensão sexual presente em todas as cenas do casal.
A atual era de adaptações de quadrinhos para o cinema e para a TV por muito tempo sofreu com o estigma de clube do bolinha. “Agent Carter”, série da Marvel lançada em 2014, provou de forma competente que o público sempre esteve preparado para protagonistas femininas. Ela foi seguida por “Supergirl”, da DC, que no final de outubro levou a prima do Superman à telinha.
“Jessica Jones”, que tem o potencial de ser a melhor série da Netflix até o momento, prova que não é um cromossomo que determina um super-herói ou seu sucesso — e tem tudo para sacramentar isso de uma vez por todas na cabeça dos estúdios.
Fonte: G1